terça-feira, 8 de dezembro de 2009

No beco sujo do mundo




No beco sujo do mundo
o sal ardia nos olhos dos pescadores
Mãe Menininha cantava de joelhos
pedindo a volta dos que não foram.
Cão côxo corria maldito,
a mãe de Judas morreu!

No beco sujo do mundo
dois galões vazios
desfaleciam soturnos.
Pro céu descolorido Pai Santo olhou
e a boca abriu,
a língua ergueu
e seco chorou.


A cor do milho sumindo,
galinha murcha ficando.
É cana-sem-açúcar,
feijão de corda torando,
mandacaru fulorando
E o bucho aqui me matando.


O luar que tardava a chegar,
o sol queimava sem cessar.
E na areia que secava até rachar,
vaca ossuda empacou.


Sou nordestino nato
não trabalho no mato,
mas minh'alma é de batalhador.
Acordei num beco profundo,
e no beco sujo do mundo
filho e meio a seca me tirou.

sábado, 24 de outubro de 2009

Luz


''Enquanto seu olhar negro, penetrante, rastejava de piedade diante de mim, suas mãos longas e envelhecidas tateavam às cegas meu rosto despido. O Sol por fim parou de chover andorinhas, mas o arrastar das folhas ainda me intimida suspiro ante suspiro:
- Vou contigo.
E partimos pro pôr-do-sol da esquina ao lado.''

Conversa pra boi sorrir


Divida a Lua comigo, ué! A pobre coitada é tão grande e branca que há de caber duas pessoas ali. São Jorge matou o dragão, lembra? E agora que partiu com aquele cavalo preguiçoso, tem espaço de sobra naquelas crateras. Ah, queres assim?! Então sabe de uma coisa? Ela brilha tanto que prefiro ver daqui, e quem sabe, imaginar o que possa existir além daquelas nuvens espaçosas. Daqui o tamanho da imensidão é comparado aos nossos olhos arregalados de tanto almejar a vinda dessa lua nova que já tá mais do que velha.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Vida à Três - O Mal-te-querer


Seu ufanismo nativista

não mais me comove.

Antítese sentimental monocromática

na concomitância da descoloração

do teu elemento dantes contemplativo.




Frases nuas, sem pudor

não envergonham

nem apetecem a mais ninguém.

Nem se deixam por envergonhar.




Mera passagem hostil do tempo,

na monotonia do relógio que enfeita a sala

fabricado por seu João.

Jogai o cuco pútrido nos teus quintos.




Corra atrás do nada,

eu não estou lá.


Enquanto minhas lágrimas

guardadas com tanto esmero

não me umedecem,

Encontra as quatro paredes brancas

vazias e frias de sossego.




A minha nuvem desenhada a flores

de cor vermelha, de coração lapidado,

me conforta agora como nunca fora

confortada entre tantos lençóis.

Semanídio


Eu certamente poderia passar uma semana no para-peito da janela do quarto analisando o movimento.

E em semanas póstumas me acompanhariam os livros, o cachorro, e por fim o telefone que me inserisse de alguma forma no meio externo de pó.

Passado um mês de semanas gradativa e saborosamente ociosas, sentiria a ânsia de me locomover ao movimento dantes analisado.

Enquanto iria à rodovia a qual passava o vendedor de acarajé alto e mestiço, o casal de velhos na velharia do jogo de damas da esquina permaneceria frente a frente, cara a cara, peito a peito.

Enfim encaixei-me no caixote de cimento podre, e esperei a batida...

A mesma carroça, o mesmo bode, o mesmo bonde, e um cheiro de dendê.
Um cheiro.

Minha vida mudando desde que estivera metros abaixo da minha janela. O mundo era cego, ninguém me via. Pedi pão: ninguém me ouvia.

E na nova semana me levantei, e me arrastei pelos cabelos de Rapunzel rumo ao meu para-peito de metro e meio...

...E dali voei. Voei e o mundo gritou pra mim, e eu para o mundo.

O mundo que era meu, o mundo que mudou. O mundo que, ai Deus!, por fim acabou.

Berço


No berço do brasileiro

acordar, levantar, trabalhar

-Mãe, tem comida hoje?-

diz o filho que se desperta

à procura de um buraco para defecar.

Barriga vazia e o sol de guia

Arar as terras do seu Tonho.

O berço cresceu e amamentou.
(Baseado no Curta-Metragem de Bernad Attal e Joselito Crispim - Ilha do Rato)